O sol se apagava como todos os dias, deixava o rastro do seu calor nas esperanças queimadas, nos destinos que iluminou e manteve acesos até a cegueira sem memória da escuridão.
Tinha uma vista privilegiada e o que o olho não via lá fora as câmeras tratavam de ver, o que as câmeras não viam a antena trazia para ver ao pé do ouvido. Quando as antenas não viam mais, lá dentro restava ver a vida toda segura entre os muros e a cerca farpada.
A rua estava em promoção, os corpos transpiravam afoitos o desencanto aos 34 ºC, passavam pelas vitrines que simulavam a neve do norte e apertavam o passo para vender a alma e poder comprar o Natal.
Na cena da cidade a realidade certeira foi-se embora com as nuvens rumo aos territórios onde tudo é provisório, relativo e a farsa do viver encontra sua coerência na propriedade inútil do dizer.
Soprou a poesia grave do trombone, marcou o tempo com as pinceladas dos outros metais e ainda se manteve de pé estremecido pela percussão. Naquele espaço o lugar mais próximo era a música.
Segurou pela última vez o gancho estragado pelo relento, aquele amparo entortado para as perspectivas vacilantes. Depois que a crença nas palavras se fez opaca, compreendeu que o amor e a falta dele são vividos em queda livre.
Na correria, no corredor, entre a arquitetura e as táticas dos aparatos armados de chumbo, desapegou de um pisante e seguiu com o outro par sem par e os pedaços das histórias que sobraram.
As antenas não transmitem o silêncio contemplativo das almas que habitam as pirâmides da cidade. Seus sinais prescrevem o barulho dos ritos que vêm de longe, capturam o sentido de coisas inacessíveis que parecem pertencer às vidas que se acabam vendo se acabarem.
Foi um certo dia, errado, sozinho, com o que era relevante esfacelado junto aos pés que insistem seguir em direção à indigência, que pisam sem equilíbrio nos sonhos vividos como realidade.
Quando vem o amor, vem desprovido de gramática e notação racional, chega sob a tutela de uma condição inominável embrulhada em um papel vistoso, num pacote insinuante à espera de um afortunado que o abra, que se disponha a conhecer o céu e os recantos mais profundos do inferno.
O lago reflete a insanidade de um calor alaranjado dissolvido barrento no dia que se vai. Até que à noite, quando não se vê mas se sente, a escuridão rascunhe os presságios do que parecia semelhante sendo diferente.
Os muros da cidade aprisionam monstros, feras e verdugos que assistem furiosos a liberdade desajeitada dos seres civilizados comprometidos com a ilusão de suas missões.
Dos estados do país, talvez Minas Gerais seja o que melhor simboliza a aspiração não concretizada da nação tupiniquim. Entre o norte e o sul, onde tudo é meio assim, meio rural, outro tanto urbano, com uma pedra no meio do caminho, no meio de montanhas, meio perto do litoral, alguns habitantes exibem com soberba o que chamam de mineiridade, essa fábula do meio termo, do que não é bom, não é mau, apenas mineiro.