O sol se apagava como todos os dias, deixava o rastro do seu calor nas esperanças queimadas, nos destinos que iluminou e manteve acesos até a cegueira sem memória da escuridão.
Tinha uma vista privilegiada e o que o olho não via lá fora as câmeras tratavam de ver, o que as câmeras não viam a antena trazia para ver ao pé do ouvido. Quando as antenas não viam mais, lá dentro restava ver a vida toda segura entre os muros e a cerca farpada.
A rua estava em promoção, os corpos transpiravam afoitos o desencanto aos 34 ºC, passavam pelas vitrines que simulavam a neve do norte e apertavam o passo para vender a alma e poder comprar o Natal.
Na cena da cidade a realidade certeira foi-se embora com as nuvens rumo aos territórios onde tudo é provisório, relativo e a farsa do viver encontra sua coerência na propriedade inútil do dizer.
Soprou a poesia grave do trombone, marcou o tempo com as pinceladas dos outros metais e ainda se manteve de pé estremecido pela percussão. Naquele espaço o lugar mais próximo era a música.
Segurou pela última vez o gancho estragado pelo relento, aquele amparo entortado para as perspectivas vacilantes. Depois que a crença nas palavras se fez opaca, compreendeu que o amor e a falta dele são vividos em queda livre.
Na correria, no corredor, entre a arquitetura e as táticas dos aparatos armados de chumbo, desapegou de um pisante e seguiu com o outro par sem par e os pedaços das histórias que sobraram.
Dos estados do país, talvez Minas Gerais seja o que melhor simboliza a aspiração não concretizada da nação tupiniquim. Entre o norte e o sul, onde tudo é meio assim, meio rural, outro tanto urbano, com uma pedra no meio do caminho, no meio de montanhas, meio perto do litoral, alguns habitantes exibem com soberba o que chamam de mineiridade, essa fábula do meio termo, do que não é bom, não é mau, apenas mineiro.