Jornada


O sol se apagava como todos os dias, deixava o rastro do seu calor nas esperanças queimadas, nos destinos que iluminou e manteve acesos até a cegueira sem memória da escuridão.

Bunker


Tinha uma vista privilegiada e o que o olho não via lá fora as câmeras tratavam de ver, o que as câmeras não viam a antena trazia para ver ao pé do ouvido. Quando as antenas não viam mais, lá dentro restava ver a vida toda segura entre os muros e a cerca farpada. 

Barganhar


A rua estava em promoção, os corpos transpiravam afoitos o desencanto aos 34 ºC, passavam pelas vitrines que simulavam a neve do norte e apertavam o passo para vender a alma e poder comprar o Natal.

Crer


Na cena da cidade a realidade certeira foi-se embora com as nuvens rumo aos territórios onde tudo é provisório, relativo e a farsa do viver encontra sua coerência na propriedade inútil do dizer.

Soar


Soprou a poesia grave do trombone, marcou o tempo com as pinceladas dos outros metais e ainda se manteve de pé estremecido pela percussão. Naquele espaço o lugar mais próximo era a música.

Cair


Segurou pela última vez o gancho estragado pelo relento, aquele amparo entortado para as perspectivas vacilantes. Depois que a crença nas palavras se fez opaca, compreendeu que o amor e a falta dele são vividos em queda livre.

Descalçar


Na correria, no corredor, entre a arquitetura e as táticas dos aparatos armados de chumbo, desapegou de um pisante e seguiu com o outro par sem par e os pedaços das histórias que sobraram.