Entrar


Da rua que saiu, de onde se deixou impregnar com o que se parecia promessa, atravessou um portal sombreado e se infiltrou naquele ambiente meio claro, um pouco escuro, com um odor etílico ensebado viscoso, um lugar em que as pessoas esperavam a sua vez para narrar epopeias.

Desejar


Cada qual carrega a sua sina ao vagar sobre as linhas traçadas no chão da cidade, leva incorruptível o enigma de perseguir uma vontade desconhecida para que logo, o quanto antes, possa trocada por outra.

Deslocar


Na cidade navegável, de luminâncias faceiras, de todos os sonhos ditos possíveis dilacerados, guardava em segredo uma esperança desconfiada enquanto fingia acreditar na motivação consciente de cada passo rumo a um lugar em que não haveria como saber onde é quando estivesse lá. 

Nomear


Parece haver uma magia antes da música ocupar seu espectro, quando a sonoridade na condição de vir a ser estabelece a tensão entre o que ainda não existe e o que virá na qualidade de som, essa propriedade que faz da palavra inútil ao pretender desesperadamente descrever o que não dá conta.

Acreditar


Na trama que se desdobra sob a secura de cegar do sol, levava furtivamente o pretexto que faz parecer legítima a intenção de continuar, de seguir representando o que imagina saber, mesmo sem ver, o que essa ilusão não permite ter. 

Multiplicar


A câmera duplica o frame que abriga um pedaço visível de um instante, põe e sobrepõe a figura traçada durante a jornada binária entre os circuitos e cria um mundo que contém o próprio mundo sem se parecer com ele.

Pintar


A artista balançava no céu a cada ataque de tinta que desferia contra a parede que era cinza, que não tinha olhos, bocas e nem acenava lá do alto para a cidade.

Escapar


Apertou o passo entre as criaturas da noite e depressa atravessou a floresta urbana de estímulos e seus rastros de significado, aqueles lampejos de sentido que jamais teria a audácia de tentar reconstruir quando estivesse fora dali.

Duvidar


Levou para o topo do morro a pergunta sobre as certezas que lhe diziam com tanta desenvoltura na terra baixa. Lá de cima, imóvel e insignificante, com o silêncio que fez da dúvida, assistia ao teatro de um vasto mundo que cobra ingresso para entrar e para sair.

Localizar


Alçado ao céu para os dias que correm, o marco do tempo no espaço cria o lugar que guarda a lembrança, é espelho da memória, da cronologia presente e inevitável do vivido.

Durar


Passava pelo baile da noite e não despregava os olhos das faíscas da dança, do movimento do sopro de um instante que a terra há de comer.

Amanhecer


Em um espaço da manhã da cidade, é verdade, a cor trepa com a luz e elas ficam fornicando até o sol a pino declarar que agora é diferente, que podem parar com aquilo.

Equivocar


Saiu da sala luminosa e ficou imobilizado quando as promessas foram sugadas por uma escuridão de textura infinita, pontilhada por significados invisíveis aderentes a sua total falta de compreensão, que persistiam em se parecer com o que nunca poderia esquecer e presumir saber.

Noturna


Os perfumes da madrugada exalavam entre as luzes do céu e levavam seus segredos embora. Era o fim de um começo que por fim se iniciava.

Retirar


Na solidão, enquanto o mundo inteiro celebra suas maravilhas e almas caridosas te convidam para participar, vem o pensamento de que estar lá seria um atentado contra o indizível, como forjar um significado para o que parece não ter significado e estragar a festa.

Urbanos


Aquele acontecimento, o ritual das vidas que tocavam a cena, estava lá visível a poucos metros, do parapeito da ponte até a altura que se acaba no lixo e no movimento reciclável das mentes que andam, param e guiam carros que queimam fósseis.

Voar


Pairava sobre todas as coisas de aparência acessível, deixava para trás os territórios daqueles amores terrenos, reais, dos manuais e os que são movidos pelo sonho de quem anda desandando entre as delicadas tentações de um mundo tornado belo, refletido na narrativa ficcional emocionante que se fez espelho de sua imagem. Lembrava barulhento rasgando os céus que o inalcançável era obra dos que acreditavam pisar firme na terra.

Coquetel


Do recinto brotavam as conspirações amareladas que ignoravam iluminadas a escuridão das ruas, o asfalto sujo que os limpos precisavam pisar para expressar a aparência brilhosa de uma cândida limpeza, as cenas distantes do teatro musicado pela sonoridade dos drinks, tudo o que de fato pertencia ao mundo e seria objeto daquelas considerações elevadas que realçavam uma orgulhosa alienação embriagada. 

Quebrar


Os amores vividos segundo as regras e normas dos manuais escritos por sábios vividos segundo as regras e normas dos manuais por vezes conheciam a libertação se espatifando ao primeiro peteleco sobre o qual não havia qualquer referência na realidade ideal em que foram fantasticamente gestados.

Perder


Andou entre as águas como um alvo dos pingos daquele mundo revolto e tomou para si a consciência quase mística de não saber para onde ir antes de evaporar.

Voltar


O espetáculo das bolinhas vibrando a cada rajada do vento frio molhado prenunciava as horas derradeiras do retorno. Tão longe dali, para onde se vai, de onde se vem, a vida corria dos que queriam se agarrar nela enquanto tropeçavam nos caprichos que acreditavam serem sonhos.

Calar


Via pela janela incandescente o fragmento de um mundo nas gotas de luz, pedacinhos de histórias destroçadas, palavras assépticas de consolo, o claro silencioso que por um instante faz significar o lugar barulhento de todos os ditos.

Encontrar


Depois de percorrer as trilhas que conduziam sempre ao mesmo lugar, por fim encontrou uma indicação certeira para chegar ao destino que era idêntico àquele limbo dos primeiros passos do início da jornada. 

Narrar


O relógio não conta o tempo, conta histórias. "Que horas são por favor?". Por uma brevidade aquelas vidas param no instante provisório do ponteiro que gira rumo a um tempo que nunca chega.

Contemplar


Olhou para cima e esperou a tempestade tomar conta de tudo, até as palavras se afogarem e os amores escorrerem mofados pelas frestas. Esperou até o céu se fundir com a terra. 

Datilografar


Ao tempo de cada caractere que corrompe o infinito do papel em branco, sob o ritmo percussivo metálico da mecânica dos dedos que mais desafia do que reproduz os pensamentos, a solidão nesse mundo deliberadamente adulterado encontra sua razão de ser, se deixa escravizar pela imaginação e trancafiada em uma sala de espelhos percorre os territórios mais remotos da percepção.  

Falhar


Consciente das ressalvas assinaladas pelos lúcidos, optou por buscar amparo nas sombras daquele delírio. E enquanto o sol se apagava envergonhado, no luso-fusco do quarto a memória pintava a falência do diálogo entre os seres arrazoados, o fracasso da conversa solitária que se faz em segredo com a própria figura fraudulenta colecionadora de equívocos. 

Submergir


Chegou até a beira escorregadia do lago, olhou para aquela realidade flutuante, desarranjada e testemunhou as ideias se afundando rumo ao limbo de uma escuridão fria enquanto deixavam na superfície o legado de suas insignificâncias.

 

Aquecer


Em um dia glacial de junho ela dançava quente e girava aqueles calores nunca conhecidos pelos amores, guardava no corpo a quentura do instante que dura enquanto se degusta as delícias mais secretas do coração.

Esquecer


Sobre os carros, suspensos tão perto do chão, do milagre que brota da terra que espera por seus corpos, da pressa da vida sem memória que inutilmente tenta se lembrar de si mesma.

Pastar


Naquela noite escura de desalento os líderes autointitulados fomentavam a crença de que cada seguidor tinha uma luz adormecida dentro de si, que para despertá-la bastava ter consciência disso e nunca se esquecer da condição de ser um cordeiro manso, sugestionável e agradecido.

Luminâncias


No deserto de luz as vidas buscavam sentido com um ritmo autômato, dispensavam os roteiros sem limite do coração para perseguirem os conceitos que as tornassem seguras com as palavras que aprisionam o pensamento e reiteram a aparência emancipada que se ostenta no script grafado sob o título de liberdade.  

Distrair


Era preciso representar para brincar com as ferramentas da alegria, brilhar os olhos e exibir um sorriso endurecido que pudesse aparentar satisfação com o viver entre aqueles deleites terrenos legendados como coisas do outro mundo. Era preciso não ser, experimentar a existência do modo como não se é sob o risco de ser e não encontrar nada lá.

Desordem e Retrocesso


Enquanto os seres se matavam nos arredores do oásis, o busto vigiava sereno as cores da vida, alheio às promessas que vinham do asfalto manchado de ordem e de progresso.

Esvaziar


Levava amassados na sacola os sentidos recolhidos do viver, lembrava de cada fragmento que iria remontar naquela tarefa labiríntica de se aventurar no significado do nada.

Passear


Andou devagarinho pelo amor florescido no jardim, respirou os detalhes vibrantes de suas formas e continuou a caminhada em direção ao horizonte, à aridez sem fim da realidade. 

Desatinar


A chuva de luz cadente molhava cada passo relutante que seguia pelo asfalto movediço, fazia o corpo se encharcar com a confusão da mente e os amores cegarem de tanto brilho.

Afetos


A luz adentrava sem cerimônia pela janela para se encontrar com os tons coloridos da música.

Fantasiar


Dentro da sala o ventilador girava em estado terminal, empurrava preguiçoso um bafo quente gomoso que vinha da noite lá de fora, onde as luzes iam embora para sempre depois de atravessarem uma senhorita diante de um orelhão de olho em suas conversas, que experimentava a festa dramática do engano e suas delícias, seus sonhos bestas e a narrativa de uma ficção mais maravilhosa da face desta terra que se desfaz e se refaz se desfazendo.  

Correr


Debaixo do sol a pino batem pino, consomem com urgência suas vidas na homenagem diária ao tempo em movimento.

Caminhar


Atrás das montanhas cobertas por capoeiras, no rumo da tempestade azulada que irriga o verde dos caminhos, havia a promessa de uma sensação, de um lugar de contentamento desprovido do inesgotável querer por querer para querer. 


Esperar


Contemplavam a paradeza do que não acontecia, às vezes se olhavam e guardavam um suspiro mudo quando se davam as costas.

Navegar


Conheceram-se no movimento de um barco enquanto trocavam as histórias onduladas refletidas que se desfaziam a cada remada.

Escada


A subida era à esquerda, com a chance concedida de se arrastar segurando nas grades brancas da paz descascada, na companhia da cor do frescor do muro e das centelhas do que ficou para trás e se fez lembrança alucinada.    

Sentir


Deitou sobre a grama para amansar aquela vertigem até que pudesse troca-la por outra.

Timeline


Existia, dentro do tempo que continua a passar, um tempo que passava mais rápido em um espaço mágico que se mensura com números, movido por pílulas de encanto contadas ou desmedidas a gosto. Às vezes acontecia da tela apagar a tempo desse mundo acabar. 

Partir


Alguém lhe disse que não era permitido estar ali, que deveria seguir viagem e levar suas vontades para longe, para algum outro lugar que fosse lugar de ninguém. 

Transitório


O concreto rasga o céu infinito e as promessas de amores eternos que se esbarram nas ruas de árvores minguadas e alegrias perecíveis.

Jornada


O sol se apagava como todos os dias, deixava o rastro do seu calor nas esperanças queimadas, nos destinos que iluminou e manteve acesos até a cegueira sem memória da escuridão.

Bunker


Tinha uma vista privilegiada e o que o olho não via lá fora as câmeras tratavam de ver, o que as câmeras não viam a antena trazia para ver ao pé do ouvido. Quando as antenas não viam mais, lá dentro restava ver a vida toda segura entre os muros e a cerca farpada.