E a guerra, enfim, noticiada na província*

Sr. Lindolfo nunca voltava para casa sem antes escutar o barulho da impressão. Depois do trabalho artesanal do linotipo, era a vez das máquinas. E elas rangiam. Metal com metal, metal com papel, cheiro de tinta. A novidade vai estar pronta. Embrulhada, letrada e numerada.

Amanhã as manchetes vão anunciar o que Sr. Lindolfo havia escutado com tanta atenção no rádio. O locutor informou que a Polônia não é mais um país soberano. Na sua coluna diária, Sr. Lindolfo quer ir além e especula que a França é a próxima vítima. O Japão assola o oriente e sejam quais forem as boas intenções dos redatores, estão eles desde já orientados a dizer que a guerra é mundial. Mas os homens que fazem a guerra fizeram também os cabos submarinos. Corre ao telefone, sintoniza o rádio para saber que Vargas vai lutar contra o Eixo. Tudo vai estar estampado na primeira página. Ainda que seja apenas por uma vez.

O assunto que sai pela manhã está pronto, a máquina de impressão terminou o serviço e ainda há tempo para o Sr. Lindolfo dar mais uma espiada no que vai pautar as discussões nos bares e nas casas das famílias. O chacoalhar da máquina de fazer notícia sempre foi injusto com Sr. Lindolfo. O movimento é irreversível. Não permite alterar o que chega por telégrafo à redação. Pois agora, ele sabe que na França instauraram uma tal de República de Vichy e que tem gente muito satisfeita com a vestimenta fascista daquele país. Não dá mais para contar para todo mundo. E o Sr. Lindolfo nunca volta para casa sem antes saber o que deixou de ser publicado no seu diário. Observa os exemplares só para confirmar o que vai faltar. Chega em casa, tenta organizar as idéias sobre aquele mundo confuso e lamenta por não poder tornar o ontem tão novo quanto o hoje.

*Lindolfo Espechit (1897-1999), jornalista,
foi diretor da Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais,
fez as primeiras transmissões radiofônicas no estado.

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