Perversões dionisíacas - teatro provincial

"A vida é mesmo um teatro,
mas o elenco foi mal escolhido".

Oscar Wilde

Emergem da penumbra das manhãs úmidas os hálitos desta cidade que morosamente insinua funcionar. Sob esse céu de horizonte belo, cada marca intransferível e particular se dilui na generalidade da multidão dos rostos sem face. Que diabo é essa sina diária do ir e vir e voltar para onde veio? Quem são os personagens dessa trama cotidiana que se anuncia sob a batuta desse preguiçoso despertar?

Cá entre as montanhas cada anônimo tem a identificação que lhe cabe, o papel que lhe foi conferido, o estigma característico daquilo que deverá teatralizar com desenvoltura. Todavia, a representação requer um verniz de autenticidade, algo que a torne verdadeira ao menos na sua superfície. No automatismo reiterável do abrir e fechar das cortinas, o espetáculo do parecer ser se justifica pela nobre finalidade indiscutível da performance. É preciso demonstrar competência para estar em cena, saber atribuir a si mesmo poderes especiais, fazê-los emanar pelo cenário com os outros atores.

Todos os dias, a repetição se desdobra à maneira de um ritual. Aquele que se atreve a macular o ordenamento dessa peça diariamente representada carrega o rótulo dos insanos, a cicatriz que nunca se fecha, a condição de não pertencimento ao roteiro forjado para celebrar a farsa. 

3 comentários:

Guilherme Castro disse...

Esta frase do Oscar Wilde é boa demais...

Anônimo disse...

Sensacional. Giselle Costa.

Ricardo Laf disse...

Giselle, muito obrigado. É um relato sobre certa realidade rotineira, as vezes caricatural, divertida, como também deprimente e angustiante.